Exmo. Sr.
Presidente da Câmara Municipal
N e s t a
O signatário Vereador
integrante da bancada do PP, e demais Parlamentares que esta subscrevem,
requerem nos termos regimentais, a consignação nos anais da casa, e envio à
Presidência do Supremo Tribunal Federal e ao Congresso Nacional, MOÇÃO DE
REPÚDIO à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 442 e seu
intento de descriminalizar o aborto até a décima segunda semana de gestação,
mediante via judicial, na forma que indica.
Nós, vereadores abaixo assinados, no uso de
suas atribuições legais, e na forma regimental, requeremos o envio de
expediente:
I - Ao Gabinete da
Presidência do Supremo Tribunal Federal (Praça dos Três Poderes, Brasília/DF
70175-900), pugnando pela distribuição de cópia da referida moção e de suas
razões para os excelentíssimos senhores ministros da Suprema Corte, para
acolher esta moção como manifestação de vontade da maioria absoluta do Povo de
Ijuí mediante deliberação em Plenário de seus representantes legitimamente
eleitos, no sentido de se opor à procedência da ADPF 442, visando garantir o
direito à vida desde a concepção até o seu ocaso natural a garantir as
prerrogativas do Congresso Nacional como único legitimado para regular a
matéria.
II - Ao Gabinete da
Presidência do Congresso Nacional, pugnando que a referida Casa, ao prestar as
informações solicitadas pela Ministra Rosa Weber, manifeste-se segundo os
anseios do Povo Brasileiro, em defesa irrestrita do direito à vida desde a
concepção até o seu ocaso natural, e em conformidade com as reiteradas vezes
que negou aprovação a projetos legislativos que visavam ampliação das
excludentes de punibilidade do aborto ou mesmo de sua descriminalização.
JUSTIFICATIVA
Esta Casa do Povo de Ijuí,
mediante seus legítimos representantes eleitos, apresenta as seguintes
justificativas e posicionamento, para que seja considerado como manifestação de
considerável porção do Povo Brasileiro, e integre a discussão pública convocada
sobre a matéria.
Inicialmente,
explicitamos os argumentos apresentados pelos autores na ADPF, conforme
noticiado pelo próprio STF, em seu sítio eletrônico[1]:
As razões jurídicas de
1940, que criminalizaram o aborto no Código Penal, não mais se sustentariam,
uma vez que a manutenção da gestação é um dever desnecessário imposto contra a
mulher;
A laicidade do Estado
Democrático de Direito, ao albergar o pluralismo razoável , favorece, de algum
modo, a descriminalização do aborto, uma vez que o Estado não está submisso a
razões de ordem religiosa na definição de suas leis;
A criminalização do
aborto compromete a dignidade das mulheres e sua saúde, pressionando aquelas
que optam pelo crime do aborto a submeterem-se a procedimentos arriscados;
O processo de evolução
da discussão das matérias correlatas ao aborto no STF tem seguido num sentido
tal que favoreceria o deferimento da exceção de punibilidade dentro do primeiro
trimestre;
Cumpre analisar,
detidamente, cada um dos pontos acima, para evidenciar a ausência de razões da
referida ADPF, de modo que o Supremo Tribunal Federal, tendo requerido a
participação popular, possa levar em consideração, no julgamento, as razões
também aqui apresentadas.
O primeiro ponto se
resume numa dupla síntese: de que estaria ultrapassado, no seio da sociedade
brasileira, o motriz de defesa do nascituro no primeiro trimestre gestacional,
que fundamentou a estipulação do tipo penal naquela época; e, segundamente, que
a manutenção da gravidez seria um dever injusto colocado sobre a mulher.
Quanto a estarem ou
não defasadas as razões jurídicas que fundamentaram a criminalização do aborto
no Código Penal de 1940, podemos resolver a questão analisando as discussões
nas Casas do Povo, que são as instâncias democraticamente legitimadas a
registrar historicamente a evolução dos anseios populares em torno de questões
como esta.
Em 1991, tramitou o PL
1135/91 na Câmara dos Deputados, que pretendia descriminalização do aborto até
a 12ª semana de gravidez. Naquele momento, sem qualquer intento de alteração
legislativa nessa matéria, a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara
dos Deputados arquivou o projeto.
Em 7 de maio de 2008,
após uma série de audiências públicas, houve uma nova votação do mesmo PL
1135/91, e mais uma vez foi derrotado na mesma Comissão por 33 votos a 0 . Em
9 de julho de 2008, o projeto sofreu nova derrota na Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJC), por 57 votos a 4. Em 2011, foi arquivado, nos
termos do art. 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Na mesma Casa
Legislativa, tramita o PL 882/2015, de autoria do Deputado Federal Jean Wyllys,
do PSOL/RJ, tencionando a revogação dos artigos do Código Penal referentes ao
aborto, sem qualquer sinalização de aprovação ou formação de maioria em torno
da pauta até o momento. Já no Senado, tramita uma reforma do Código Penal por
meio do PLS 236/2012, que, entre outros assuntos, visa uma maior liberalidade
no tratamento do aborto. As alterações referentes a esta matéria foram
rejeitadas na comissão especial, mediante projeto substitutivo, de autoria do
Senador Pedro Taques.
Ainda no Senado,
tramita a Sugestão Legislativa nº 15 de 2014, também tendente à facilitação e
regularização do aborto no primeiro trimestre gestacional. Seu arquivamento, na
Comissão de Direitos Humanos, foi solicitado pelo relator, Senador Magno Malta,
após de uma série de audiências públicas sobre a questão.
O mesmo Congresso
Nacional pronunciou-se ainda, noutra ocasião, quando, ao prestar informações
nos autos da ADIN nº 5.581 - que pretendia a facilitação do aborto de fetos
cujos mães estivessem infectadas com o vírus da Zika esboçou as seguintes
razões: a) a responsabilidade da discussão democrática da matéria é exclusiva
da Casa do Povo, não se podendo subtrair desta o legítimo direito de
representar o Povo Brasileiro no tratamento e na definição destas questões; b)
juridicamente, a descriminalização do aborto nos casos tratados na ação afronta
o bem jurídico da vida, impondo severa redução de direito fundamental dos
nascituros, que restaria desamparado pela legislação infraconstitucional.
O breve relatório
acima serve para demonstrar, de forma concreta, que a discussão da
descriminalização do aborto até as doze primeiras semanas da gestação esteve
presente nas Casas do Povo nos últimos trinta anos. Houve abundante discussão
neste campo, e, por ambas as Casas, manteve-se o entendimento da importância de
continuar mantendo a criminalização do aborto.
Destarte, comprova-se
que esta matéria vem sendo discutida na Casa do Povo, e é de clareza solar que
a argumentação e as razões que fundamentaram a tipificação penal do aborto no
Código de 1940 persistem e respaldam as novas decisões de igual teor nos
últimos trinta anos.
Não prospera,
portanto, o argumento falacioso de que as razões que fundamentaram a
criminalização do aborto em 1940 não estariam presentes na atualidade. Estão
sim! E são tão atuais que seguem fazendo com que as proposituras que visam a
legalização do aborto continuem sendo negadas nas Casas do Povo. E é exatamente
por este motivo, POR NÃO CONSEGUIREM VENCER NO DEBATE DEMOCRÁTICO NAS CASAS
LEGISLATIVAS, que os defensores do aborto levaram a questão ao STF.
A respeito da alegação
de ser injusto, à mulher, o dever de manutenção da gestação contra a sua
vontade, precisamos considerar a matéria sob a ótica do enfrentamento de dois
direitos: o do nascituro à vida durante o primeiro trimestre da gestação e o
direito da mulher à liberdade de optar por não manter a gravidez. Cumpre,
assim, examinar qual destes direitos deve prevalecer.
Definida a questão,
vemos que os próprios autores da ADPF resolvem o problema, uma vez que, nos
próprios termos da ação, após as doze semanas iniciais, a mulher não poderia
mais se decidir pelo aborto (excetuando os casos legais já definidos) e,
portanto, evidenciam que esta obrigação não é injusta após essas doze semanas,
reconhecendo que o direito do nascituro à vida supera o direito da mulher sobre
o seu corpo. Ora, se não é considerado injusto que a mulher seja obrigada a
manter a gestação após as primeiras doze semanas, então não há que se falar em
injustiça ao se colocar a obrigação de manter a gestação antes disso.
O dever de manutenção
da gestação imposto à mulher não é, portanto, injusto nem abstrata e nem
objetivamente. O dever subjacente que justifica a obrigação colocada contra a
mulher depois do primeiro trimestre de gestação está igualmente presente no
primeiro trimestre.
O segundo ponto
considera a laicidade do Estado Brasileiro como ponto de partida para a análise
da questão, sendo o pluralismo razoável um corolário da democracia laica.
Nesta linha de raciocínio dos autores da ADPF, a permissividade em relação ao
aborto seria uma decorrência natural deste corolário, de forma que, havendo
pessoas favoráveis e contrárias à prática, a questão seria hipoteticamente
resolvida com base na análise das pessoas afetadas. Portanto, de acordo com
este pensamento, as mulheres gestantes é que deveriam ter o direito de decidir,
caso a caso, se preferem manter ou não a gravidez.
A bem da verdade, a
laicidade do Estado não proíbe a participação de linhas de raciocínio
tipificadas como religiosas. Se assim fosse, o Estado estaria obrigando a
participação privativa de não-religiosos na discussão sobre o tema, e excluindo
uma porção (maioria absoluta) da sociedade brasileira só pelo fato de serem
religiosos. A laicidade do Estado não pode servir de subterfúgio para a
exclusão de grandes setores da sociedade dos processos decisórios.
Na verdade, o
pluralismo razoável tem que considerar todos os interessados, partindo de uma
discussão aberta, dialógica e franca, com ampla participação de todos, sem
distinção de qualquer origem, religiosa ou não. O mesmo pluralismo razoável
que, com toda a justiça, abre a questão para os pontos de vista das mulheres
indígenas, das mulheres negras e das mulheres pobres, também deve considerar o
ponto de vista das mulheres que têm convicção religiosa, ou vão discriminá-las
em razão de suas crenças???
Com muito mais
justiça, também deve deferir abertura à defesa dos nascituros, que ainda não
podem se expressar política ou socialmente, senão exclusivamente por
representantes desinteressados, particularmente para o escopo da decisão a ser
tomada: os nascituros pré-noventenários. O pluralismo razoável há de conceder
espaço para mulheres, religiosas ou não, e para os nascituros, decidindo a
questão por meio de suas justas e legítimas representações políticas no
Parlamento.
No terceiro ponto, os
autores da ADPF tratam do perigo imposto às mulheres que se submetem a
procedimentos abortivos clandestinos, alegando que isso somente existiria
devido à repressão social colocada em torno do tema. As mulheres, nesta linha
argumentativa, facilmente poderiam abortar de maneira segura , caso houvesse
um apoio social e uma permissividade legal para clínicas abortivas.
A despeito da insegurança que todo e qualquer
procedimento abortivo representa para a mulher seja psicologicamente, seja
fisicamente mesmo com apoio médico e legal, sabemos que, em qualquer
jurisdição onde é permitido o aborto, ainda assim, superabundam razões para sua
clandestinidade. Além disso, todos sabem que, nos países em que foi
descriminalizado o aborto, persistem e se multiplicam as clínicas ilegais pelas
mais diversas razões: abortos secretos, comercialização de órgãos e restos do
corpo das crianças abortadas, entre outros casos.
No mesmo sentido, há
clínicas clandestinas para extração de órgãos que são negociados no mercado
negro, haja vista que, no nosso ordenamento jurídico, esta é uma prática
ilegal, e, nestas clínicas, também se corre o risco de problemas de saúde e
mesmo de morte. Ora, se for aceitável a argumentação de que o aborto deve ser
legalizado porque muitas gestantes são obrigadas a correr algum risco por
procurarem clínicas clandestinas, então, pelo mesmo fundamento, no Brasil teria
que ser legalizada a comercialização de órgãos porque muitos brasileiros
procuram clínicas ilegais para realizarem esse procedimento ilícito.
Ainda neste diapasão,
se aceitássemos esta argumentação, teríamos que legalizar diversos tipos penais
que, em razão da repressão social, estão obrigados a correr riscos por
atuarem à margem da lei.
Para fins estritamente
jurídicos, o bem jurídico Vida e o bem jurídico Saúde de qualquer pessoa
que se submete a riscos em decorrência de, voluntariamente, decidir por
praticar uma ação ilegal, merece tanta defesa quanto o mesmo bem jurídico de
gestantes que optam pelo procedimento abortivo ilegal.
O risco que decorre
àqueles que agem à margem da lei é uma consequência natural (e desejada) da
proibição e da repressão social. Enquanto o povo brasileiro, representado em
suas Casas Legislativas próprias, decidir pela repressão em torno de uma dada
prática, também está optando, necessariamente, para que seus praticantes sejam
punidos e para que sofram os riscos naturais do desenvolvimento de suas
atividades dentro da ilegalidade.
Por fim, o quarto e
último ponto da ADPF avoca a evolução da discussão no STF em temas correlatos
como motriz para novas alterações nas compreensões desta importante instância
jurídica. Segundo os autores da ação, a permissão das pesquisas com
células-tronco embrionárias e a permissão do abortamento de fetos anencéfalos
constituiriam precedentes judiciais para
a exceção de punibilidade do abortamento pré-noventenário.
Juridicamente, um
julgamento não implica o outro. Acima da ordem infraconstitucional, ademais, a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica),
de 1969, garante o direito à vida desde a concepção[2]. Diz-se isto porque, em julgamento da ADI 5240, o mesmo STF, mediante o
Excelentíssimo Relator Ministro Luiz Fux, determinou que atos
infraconstitucionais que se contrapõem à efetivação dos direitos individuais
fossem suprimidos. Isto é, a evolução da discussão da temática não progride
unicamente para o lado da permissividade do aborto na Corte Suprema.
Nem o Ordenamento
Jurídico Brasileiro prescinde de determinações protetivas dos direitos dos
nascituros para que se possa decidir à revelia da totalidade do sistema
jurídico brasileiro. O Código Civil determina inclusive a proteção dos direitos
do nascituro, não em sua generalidade, que poderia ser interpretada
restritivamente como depois do terceiro mês, mas desde a concepção
especificamente[3]. Como excluir a
punibilidade do abortamento de nascituros pré-noventenários em qualquer caso,
sem interferir diretamente nas diversas proteções legais colocadas
intencionalmente na Lei Brasileira para ampará-los?
Por esta razão,
conhecendo a real evolução jurídica da matéria, e em homenagem à teoria do
diálogo das fontes, segundo a qual as normas jurídicas devem ter sua aplicação
simultânea, coerente e coordenada, de forma a complementarem-se e não se
excluírem, é que o Povo de Ijuí, mediante seus representantes legitimamente
eleitos, põe-se contrário à procedência da referida ADPF 442, rogando à
Excelentíssima Senhora Ministra Rosa Weber que mantenha a posição exarada pelo
Congresso Nacional e pela AGU, nas peças de informações apresentadas nos autos
da ADPF 442, de forma a garantir as prerrogativas do Congresso Nacional como
único legitimado para regular a matéria.
[1] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=337860
[2] Art. 4º - Toda pessoa
tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela
lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida
arbitrariamente.
[3] Art. 2º do Código Civil
Brasileiro A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas
a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
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